Fui crescendo e engolindo meus doces, que estavam cada vez mais me desgastando. Minha saúde era frágil, e mais frágil ainda era o meu coração sempre que ouvia os vizinhos a sussurrar para as outras crianças que não deviam brincar comigo porque era um doente.
Mas eu não entendia isso. Eu não me sentia doente. Às vezes me cansava primeiro que as outras crianças, mas e daí?
Quando a adolescência bateu à porta, eu continuava tomando os doces, mas os doces já tinham ganhado outro nome, de remédios, porque nasci imaturo e precisava tomar para me fortalecer como as outras crianças. Nunca questionei isso até o dia em que pedi à Tucha, a nossa vizinha, para me acompanhar ao mercado. Enquanto ela se preparava para sair, eu esperava por fora, bem tranquilo.
— Tucha, para onde vais? — era a mãe. — Ao mercado, acompanhar o Peter.
— Estás maluca? A na SIDA. Não vais a lugar algum.
Foi a primeira vez das várias em que fui ouvindo isso, pelas ruas, nas esquinas, no bairro, na igreja, em todos os corredores da vida por onde passava.
Precisava entender. Perguntei à minha avó a respeito. Com lágrimas nos olhos, disse-me que, infelizmente, herdei isso da minha falecida mãe. Ela era seropositiva, mas amou-me tanto...tanto...que fez tudo para que eu nascesse livre da doença, só que, na altura, pouco sabia-se que isso era possível.
Partiu-me o coração saber que, por causa de algo que eu nunca escolhi, o mundo insistia em tratar-me como se eu fosse menos digno, menos humano. E no amor? Ah… no amor sempre houve uma porta que se fechava. Bastava alguém descobrir que eu tinha SIDA, e pronto…fugia. Como se eu fosse um perigo ambulante.
Até hoje, os meus caminhos parecem sempre mais estreitos do que os dos outros. E tudo por quê? Porque tenho SIDA.
No fundo, só queria uma coisa simples, tão simples quanto respirar: ser tratado como qualquer pessoa.
Porque, afinal… que mal fiz eu?
Nunca escolhi nascer seropositivo!


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